08 novembro, 2010

Carybé por Jorge Amado


"Quando tudo se faz na Bahia para degradar a grandeza da cidade, roubar-lhe o verde das árvores, a brisa do mar, as velas dos saveiros, poluir o céu e as praias, matar os peixes e reduzir os pescadores à miséria, quando agridem a paisagem a cada momento, com espantosos edifícios rompendo a harmonia dos locais mais belos, fazendo da Lagoa do Abaeté e da doçura de Itapuã, cantadas por Caymmi, caminhos do lucro imobiliário sem o menor controle, quando tantas forças se juntam para destruir a cidade da Bahia, construída no oriente do mundo, onde os sangues se misturam para criar a nação brasileira, nessa hora de agonia e vileza, Oba Onã Xocum, dito Carybé, nascido Heitor Júlio Páride de Barnabó na primeira encarnação, tomou dos instrumentos, da goiva, do formão, do macete, dos materiais mais nobres, a madeira, o cimento, o barro, e, armado com a força dos orixás, fixou para sempre a face da verdadeira Bahia, a que está sendo assassinada. Quando nada mais restar de autêntico, quanto tudo já se fizer apenas representação, mercadoria, e transformar-se em dinheiro na sociedade de consumo, a memória perdurará pura, pois o filho de Oxóssi e de Oxum, o Obá de Xangô, guardou a verdade íntegra na criação de uma obra sem igual pela autenticidade, pela beleza, feita com as mãos, o talento e o coração".


Jorge Amado, no livro Bahia de Todos os Santos, Guia de Ruas e Mistérios, editado em 1912.

Nenhum comentário:

Postar um comentário